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Segunda Carta I

Mais do que a paixão:
os seus motivos; a construção dela. -Motivos que, peça por peça, a elaboram como um vitral com s suas imagens à tranparência? Não-, antes no seu interior visceral de vidro inteiro.

Pensemos o amor no seu jogo através do contentamento: as palavras uma por uma no bordado empolgante dos sentimentos e dos gestos. A mão sobre o papel traça com precisão as ideias na carta que, mais do que para o outro, escrevemos para nosso próprio alimento: o doce alimento da ternura, da invenção do passado ou o envenenamento da acusação e da vingança; elas próprias principais elementos da paixão na reconstrução do nosso corpo sempre pronto a ceder à emoção inventada, mas não falsa. -Não é falso se te escrevo:

"Repara, sequiosa é a faca do teu sileêncio a revolver-se-me bem no interior do ventre.... Cobre com os teus dedos os meus olhos a fim de eu não ver ou não me veja, que te perco e não me odeio."

Eis o ódio, outro principal elemento do amor. Amor cujo objecto nunca será em si a principal caus, mas apenas o motivo, o ponto de partida, jamais o único objectivo ou mesmo o fulcro, o outro.

E se não acredito em mim o amor como sentimento totalmente verdadeiro a não ser a partir da minha imperativa necessidade em inventá-lo (logo já ele é verdadeiro mas tu não), recuso-me a negá-lo no entanto pois na realidade existe, é em si mesmo: vício, urgência, precipício, enquano tu serves apenas de motivacão, de início, de peça envolvente em que te arrasto neste meu muito maior prazer em me sentir apaixonada que em amar-te. Neste meu muito maior prazer em dizer que te amo do que na verdade em querer-te.

Não é falso, então, se te escrevo:

"Sei que te perdi e me afundo, me perco também dentro da minha total ausência de poder em que me queiras."

E assim sofro, aparentemente porque te amo, mas antes porque perco o motivo de alimento da minha paixão, a quem tal vez mais queira do que a ti.

Do desvario não me curo, nem da ansiosa vontade de te ver. Mas aqui por certo será já o desejo e não o amor a causa deste outro sentimento ou alimento de uma emoção que pode ser tomada apenas por amor e erradamente entendida de outra maneira que não pelo simples exercício do corpo, que realmente é.

Não nego, portanto, o exercício do amor. O sofrimento como exercício do mesmo e o mesmo amor como exercício da paixão, qualquer que seja.

Que dou eu então em troca do que me dás?

-O meu amor. Mais exactamente: o meu amor por ti. E jamais, pois, nenhuma de nós três: mulher, se entregará sem dano de si própria a outrem. Ramificação oculta que transportamos na voragem de nos sabermos, de nos descobrir-mos, na viagem que premeditadamente empreendemos através de nós próprias n procura ou na entrega.

Na sistemática dissecação do que nos resta? Ou do muito que possuímos?


2/3/71

1 Comment:

  1. alodia said...
    :)
    :)
    :)

    rotunamente asumo.

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